Luiz Pereira Barreto é figura extraordinária de nossa história: filósofo, médico, cientista, biólogo, político, agrônomo, jornalista, notabilizou-se no exercício de todas essas qualificações; e, lembrou-me o amigo Luís Eduardo Pio Pedro, não foi menos significativa sua atuação na área vini-vitífera, isto é, da vinha e do vinho.
Filho de fazendeiros abastados, nasceu Luiz Pereira Barreto em Resende (RJ-1840) e faleceu em São Paulo (SP-1923). Aos 15 anos viajou para a Europa, ingressou na Universidade de Bruxelas e em 1865 é doutor em medicina e ciências naturais.
De volta ao Brasil, instala-se como médico em Jacareí (SP), avançando aos poucos na política. Escreve e publica (1874/1876) em dois volumes a obra As Três Filosofias, calcada toda na teoria positivista de Comte, de quem se sagrou discípulo e divulgador. Por essa época adentra no campo da agricultura e torna-se exitoso cafeicultor. Em 1880 dedica-se à campanha de saneamento público no combate às epidemias, em especial, à febre amarela.
Como político ingressa no Partido Republicano e defende suas ideias em artigos publicados em A Província de São Paulo (mais tarde O Estado de S. Paulo). Muda-se de Jacareí para a capital paulista e acaba dono, na região de Pirituba, de um sítio de 110 alqueires onde vicejam 40 mil pés de café e 10 mil videiras. Acompanhando atento as recentes experiências de Pasteur na viticultura, envia carta ao diretor da Escola de Viticultura de Lião, Victor Pulliat, solicitando exemplares de uma variedade rústica de uva. Recebidas as mudas, cultivou-as; um ano depois, ao invés de carta comunicando seus resultados, remeteu ao mesmo cientista cachos de uva legitimamente europeia, frutos magníficos que causaram surpresa na França, após notícia na imprensa. O doutor Pulliat, encantado, escreveu ao diretor da Escola Agrícola de Montpellier, professor Foex, dizendo: Acabo de receber uns cachos de uvas que me mandou o Dr. Barreto, de São Paulo. Se o Brasil tivesse meia dúzia de homens como o Dr. Barreto, a viticultura europeia estaria vencida”.
Segundo Pereira Barreto, o europeu não considerava a vinha como um arbusto qualquer, mas como uma verdadeira pessoa, um membro da família, uma segunda companheira que sempre amou e adorou. Estava convencido de que o Brasil podia produzir não apenas café e borracha, mas também vinho e com isso atrair o colono europeu em emigração voluntária.
Dessa forma, transformou o sítio de Pirituba em verdadeira estação experimental agrícola, chegando a reunir mais de 400 variedades de uvas, provindas da França, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Síria, entre outros países.
O êxito das videiras de Pereira Barreto foi publicamente apresentado e louvado em 1897, quando da realização em São Paulo da “Exposição das Uvas”, patrocinada por Dona Veridiana Prado.
Eis o registro que nos deixou desse episódio o médico e poeta Martins Fontes, em seu livro Nós, as abelhas (São Paulo, 1936, pp. 82-84):
“A propósito da prodigiosa ‘Festa da Uva’, realizada em Jundiaí, no decorrer do mês de Janeiro de 1934.
Há trinta e sete anos [1897, portanto], durante a fase da vinicultura de Pirituba, houve em São Paulo uma grande exposição de uvas colhidas ali, na chácara do notável sonhador Luís Pereira Barreto, que nesta conquista enterrara duas fortunas enormes. Patrocinava o certame a veneranda paulista Dona Veridiana Prado. Tornou-se a exposição uma festa elegante e mundana e, no último dia, os lindos cachos foram a leilão, em benefício da Santa Casa, tendo todos alcançado preços altíssimos, de contos de réis. O divino Olavo Bilac passava então por São Paulo e escreveu, a este respeito, uma ode espirituosa, conservada de cor por mim e por Veiga Miranda, na qual, glorificadoramente, Pereira Barreto é abençoado como um Gênio.
A Naturalização de Baco
Alto Padre, Lyeu, Pai das Bacantes,
que ao consumo presides
dos cachos odorantes,
das pampanosas vides!
Ó grande Baco, aluno de Silêno,
gordo, imberbe e formoso!
Tu, que entre as ninfas nísias, em pequeno,
eras um beberrão escandaloso!
Tu, que arrastado ao passo das panteras,
espalhando pifões pelo caminho,
engrinaldado de sarmentos e heras,
à Índia levaste a fama do bom vinho!
Tu, ó Pai da Alegria,
da Brasília Nação, que enfim conheces,
neste radioso dia,
a gratidão mereces!
Porque, já fatigado
de reinar no estrangeiro,
vejo-te, ó Baco, naturalizado
cidadão brasileiro!
Do Prata ao Amazonas
e do Atlântico ao Andes,
patrióticas monas
vão retumbar frenéticas e grandes!
Vão desabar com mais intensidade,
mais frequentes, as chuvas,
já que - ó felicidade! - vamos ter boas uvas!
Já não há vinho que nos envergonhe:
não beberemos Verde, nem Collares,
nem Bordeaux, nem Marsala, nem Bourgogne,
vindos de além dos mares!
Hoje, se o copo a minha mão levanta,
da escravidão antiga não me lembro:
- já me raiou, enfim, para a garganta,
o Sete de Setenbro!
Salve, fulvo clarão da Independência!
Salve, nobre conquista!
Poderemos beber sem indecência:
a sede é nativista!
E em prantos de ventura me derreto,
vendo-te, ó Baco, naturalizado,
graças ao Gênio do Doutor Barreto,
graças a Dona Veridiana Prado.
Fantásio”
(pseudônimo de OLavo Bilac)
Especializou-se Pereira Barreto a tal ponto em viticultura e enologia que por mais de dez anos colaborou na imprensa europeia (França em especial), instruindo os viticultores do velho mundo. Sobre viticultura publicou: La Viticulture à Sant Paul (1888); A Vinha e a Civilização (1896); A Arte de Fabricar o vinho - Manual do Vinicultor (1900).
Estas informações que o leitor acaba de ler foram extraídas de textos divulgados na Internet por José Eduardo de Oliveira Bruno e Hélio Begliomini. Fechando seu artigo, diz Begliomini: “Luiz Pereira Barreto foi um homem estupendo e de personalidade multifária. Além de médico, cirurgião, filósofo, político, cientista, agricultor e jornalista, foi um idealista, humanitário, pioneiro e patriota, que, em todas as mais diversas frentes de atividades onde atuou, destacou-se como operoso, sábio, erudito e honesto”.
As obras e escritos de Luiz Pereira Barreto são muito raros. A BVReppucci possui exemplar de A Arte de Fabricar o Vinho - Manual do Vinicultor, em cujo prefácio explica o autor que foi encarregado pelo Secretário da Agricultura do estado de Minas para escrever a obra destinada a ser distribuída aos vinicultores mineiros. Dadas as dificuldades mentais e práticas que atrapalham sempre toda indústria nascente, escreve ele, foi-lhe recomendado acima de tudo clareza de exposição: “pôr em mãos do vinhateiro noviço um livro resumido, que lhe servisse de instrumento de trabalho, ensinando em termos claros e precisos a técnica das operações vinárias, dando a toda a arte de fabricar o vinho um cunho prático, sem todavia sacrificar completamente o fio teórico que inspira e dirige toda a obra da vinificação.”
E prossegue: “Resumir com clareza não é fácil tarefa. Posso apenas garantir que meditei longamente sobre o assunto, no empenho de conseguir leitores, conciliando em seu benefício a exatidão com a brevidade da exposição. Procurei o mais possível implantar entre nós como rotina científica a arte e a ciência enológicas.
Mas o fiz de modo que, mesmo dentro da rotina, os nossos mais modestos vinicultores fiquem sabendo a razão teórica pela qual o vinho ora sai bom, ora sai ruim, e assim possam remover os obstáculos de futuro. À rotina tenebrosa que ainda impera na maior parte dos países vinhateiros da Europa, procurei substituir uma rotina racional, baseada na ciência, e segundo a qual poderão todos gozar dos inestimáveis serviços que as descobertas de Pasteur derramam por toda a parte. Com este seguro ponto de partida, os nossos noveis vinhateiros entram na luta muito melhor armados, desembaraçados de prejuízos seculares.
No estado de Minas já se fabrica atualmente bastante vinho, bem tolerável, bem potável, bem merecedor da atenção dos poderes públicos como indústria que se afirma pedindo proteção contra a criminosa concorrência das falsificações.
Tão somente por falta de elementares conhecimentos exatos sobre a matéria, deixam os mineiros, todos os anos, perder grande parte de suas vindimas, por não saberem prevenir, nem curar as moléstias próprias do vinho.”
Bastaram 140 páginas para Luiz Barreto desenvolver as técnicas da produção de vinho, em linguagem clara e desataviada, e capítulos curtos, objetivos e suportados por sólida bibliografia (a BVR possui dez das onze obras arroladas por ele na bibliografia).
Em que pese haver até cidade com o nome de Pereira Barreto, a figura de Luiz Pereira Barreto e sua competente e ampla contribuição em todas as áreas em que atuou padece ainda de divulgação. Como é o caso aqui lembrado de sua notável atuação na área da viti-vinicultura.
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