Esta obra reproduz cem gravuras (emblemas) de Otto Venio (1556-1629 - também conhecido como Otto van Veen, Otto Venius), artista holandês que as realizou inspirado em versos de Horácio, procurando retratar aspectos da vida humana. (Foram publicados pela primeira vez em 1607). Cada emblema é acompanhado dos versos latinos inspiradores, da sua tradução em espanhol e também nesta língua, de pequeno texto explicativo da gravura.
Antoní Palau y Dulcet em seu indispensável e vasto trabalho bibliográfico, Manual del Librero Hispano-americano, registrando esta obra, escreve que o Proêmio, é uma das páginas mais deliciosas escritas em língua castelhana, constituindo uma autobiografia anônima. Como se chamará seu autor? — pergunta. Será um literato de peso? E faz um apelo: “Recorremos aos pesquisadores e aos eruditos para que nos ilustrem a respeito deste peregrino personagem”.
Não sabemos se o apelo de Palau, feito na primeira metade do século passado teve desdobramento. O que fizemos foi ler com gosto o elogiado Proêmio e, embora não falante da língua de Cervantes, sentimos o sabor delicioso e as virtudes da escrita fluente e impecável do autor anônimo. Tamanha foi a satisfação da leitura, que não resistimos à vontade de partilhá-la ao menos em parte com os leitores deste espaço. Extraímos passagens do referido Proêmio, que se leem a seguir em tradução e no original castelhano, preservando inclusive a ortografia da época.
Proêmio
O impressor deste livro, tendo adquirido (não a preço baixo) as lâminas originais que Otto Venio (pintor famoso da Holanda) imaginou e deu à luz em tempos passados [...], e tendo ouvido falar de minha permanente inclinação ao estudo da Doutrina Moral, e tendo visto alguns escritos meus, pediu-me encarecidamente para esta edição que eu fizesse acompanhar seus emblemas de alguns textos à maneira de explicação. Não pude recusar esse pequeno trabalho feito sob tão justo pedido. [...]
Os sofisticados (que olham nos livros mais as flores do que a profundidade do conteúdo) é claro que não apreciarão a singeleza do estilo deste. Mas os sábios atentarão somente à substância escondida sob uma casca rude e tosca. A uns e outros advirto que escrevi não para ensinar, e sim para aprender, exercitando-me; preocupado menos com o gosto alheio do que com meu próprio proveito, e não cuidando tanto do aplauso como da utilidade. [...]
Quem chegar a conhecer-se, conhecerá em si todas as coisas criadas, pois o ser humano é um pequeno mundo; mas aquele que se desconhece, pode-se dizer-se dele que é leviano em tudo, pois é incapaz de saber seja o que for quem ignora seu próprio ser. [...]
Entre todos os animais, apenas o ser humano é racional; mas o pecado e os apetites desordenados obscurecem o uso da razão; e aqueles que deviam viver como anjos (dos quais não diferem em sua parte superior), em obedecendo à inferior, vivem pior que os brutos; pois estes (que agem por instinto) seguem e observam rigorosamente a lei da natureza; aqueles, porém (presumindo e gabando-se de agir segundo a razão), não só infringem todas as leis divinas e humanas, como ainda se arriscam, pelo pecado, a perder o respeito e obediência devidos a seu próprio Criador. [...]
Todavia, para que se entenda melhor o que eu disse, e não continuar meu escrito apontando faltas alheias, confessarei ingenuamente as minhas num breve resumo de minha vida. [...]
Passei a primeira infância em casa de meus pais em Madri (então Corte do rei católico Filipe III) até a idade de onze anos. Minha natural docilidade, a par de cuidadosa educação e bom exemplo de meus pais fez com que esperassem de mim mais do que, com o passar do tempo, a experiência mostrou. Assim (depois de ter aprendido a ler, escrever, contar e tocar alguns instrumentos e com eles cantar) trataram de pôr-me a estudar Gramática. Para fugir da companhia da muito viciosa e corrompida meninada, como ocorre no ambiente escolar público daquela Corte, enviaram-me com um preceptor ao Internato de Ocaña, tão célebre na Espanha inteira, pelo ensino dos Padres da Companhia de Jesus, e pelas grandes e famosas figuras de todas as nacionalidades, qualidades e profissões que dele saíram. Durante o período em que lá estive, aprendi não apenas o que se ensina, mas também os exercícios de correr, pular, lutar, arremessar barra e outros que ajudam muito no desenvolvimento da agilidade e forças corporais, assaz convenientes aos homens e à saúde, evitando a violência. Meu temperamento era colérico, sanguíneo, de mistura com certa melancolia, o que não me impedia de ser alegre, brincalhão e sociável. Era brioso e soberbo no modo de pensar, acolhendo mais facilmente a brandura do que a imposição, o elogio do que o castigo. Tinha a memória mais pronta do que a de todos meus condiscípulos, e com isso em três anos superei a todos: em 1617 passei para o Colégio de Oropesa, repetindo e exercitando-me no que já havia estudo. Foi quando comecei a notar que perde tempo no estudo da Retórica e da Poesia quem não nasceu orador ou poeta.
No ano seguinte (que era o 14º de minha idade) enviaram-me à Universidade de Alcalá de Henares a fim de estudar Filosofia. Então se perceberá o prejuízo causado pela minha boa memória, coisa que só vim a conhecer tardiamente. Serviu-me bastante para as fórmulas e Lógica, no que nenhum de meus colegas conseguiu igualar-me e costumava quebrar a cabeça dos mais doutos; nunca me faltava matéria para defender e provar qualquer desatino; caso me propusessem algum argumento (bem fundamentado que fosse) meu jeito incisivo de resumir e rapidez em responder, fazendo distinção ou negando, ou os confundia ou os cegava de ira, dando-me a sensação de ter vencido.
Meu mestre (que conhecia muito bem essa minha habilidade infantil de decorar) valeu-se dela para ganhar aplausos à custa de minha perdição. Propôs-me ele defender as conclusões do curso, e para isso deu-me (como dizem) mais de vinte folhas escritas e que compendiavam todas suas opiniões, as dos opositores com todas as soluções e respostas. Em menos de seis dias tornei o texto todo tão meu que fui ao Teatro e representei meu papel quase sem ajuda de meu Mestre que me presidia. Através desse recurso, ganhou ele reputação, sobrando para mim intolerável e incômodo desvanecimento, que me incapacitou para as demais ciências, porquanto nunca aprende nada quem presume saber muito. [...]
Terminados meus cursos, voltei eufórico para casa onde permaneci alguns meses repassando com meu preceptor (homem douto) o que havia estudado. Ele, porém (sabendo já que a confiança que eu tinha na facilidade da arte de discutir impedia-me de aprender o que ele ensinava, e que o excesso de minha memória provocava a falta da compreensão que ainda não amadurecera), aconselhou meu pai a enviar-me ao Colégio Escurial, para repetir a Filosofia, e assim se fez. Fora de enorme utilidade tal conselho, se então (quando começava a refletir e conhecer as coisas) me tivessem posto de novo a estudar. Mas a preocupação com meus erros anteriores atrasou o progresso; no entanto, nos dois anos em que lá estive, não deixei de melhorar na Física e Metafísica, aprendendo além disso alguns rudimentos de Geometria, Geografia e outras partes da Matemática. Valia-me para isso da frequência contínua a toda hora à insigne Biblioteca daquele Convento Real. [...]
Voltei para casa e fiz algumas viagens com meu pai por diversos Reinos da Espanha, e no início do ano de 1625 e vigésimo segundo de minha idade, fui mandado à Salamanca a fim de estudar Cânones e Leis. Meu aio no quis ir comigo; deram-me, pois, um criado mais velho do que eu e de bons costumes; a ocasião, porém, o tempo e as más companhias pervertem tudo. O primeiro curso (que foi de Instituta) foi bastante promissor e os mestres alimentaram boas esperanças a meu respeito, pois, os que memorizam fácil são os mais aptos a esse tipo de estudo. Levando em conta a longa viagem de ida e volta a cada verão, meus pais autorizaram que eu permanecesse e me distraísse lá mesmo. Foi minha ruína porque nas primeiras férias comecei a exercitar-me em todo tipo de arma e aprendi ao mesmo tempo algumas noções de Astronomia e Medicina. Mas (como costumam fazer os inconstantes) empenhava-me com gosto e afinco nas novidades, e dessa maneira me dispersando, discorria sobre tudo e não sabia nada direito. [...] Seja como for, passei desgostoso deste para o terceiro curso, do qual tirei pouquíssimo proveito, porque logo no começo fui desterrado do paraíso da inocência visto que gostei do fruto da árvore proibida, mais tarde resultando dele e de meu temperamento marcial meu afastamento da universidade e a necessidade de alijar-me de meus pais e da pátria. Vaguei por algum tempo, e em 1629, já com 26 anos, passei para o estado de Milão, onde servi no famoso Sitio de Cassal de Monferrato. Meu modo de vida era livre e militar, e apesar de ter mudado de hábitos com a mudança de pátria, nunca o foi para melhorar. [...]
Por essa época (ano de 1633) meu pai faleceu e com ele faltou-me todo arrimo. Como se pode imaginar, abalei-me, mas tive de aceitar o destino inevitável e animar-me a estabelecer minha sorte por conta própria [...]
Por esse tempo todo e viagens aprendi várias línguas (coisa fácil na mocidade), algumas ciências mais curiosas que proveitosas e muitos segredos da natureza e da Medicina. [...]
Vi muitas vezes minha vida em real perigo, de que Deus se agradou livrar-me por sua divina e secreta Providência. Deixo de relatar meus sucessos por não se tratar aqui de minha história, e sim de minha confissão. [...]
Meus pecados principais e capitais (dos quais decorreu uma infinidade de vícios) foram: insolente presunção de saber mais que os outros; inclinação insaciável para o jogo, e vil e torpe sujeição ao amor lascivo. Prossegui na atividade militar e nesse infame e livre modo de vida até o fim de abril de 1637, 34º ano de minha idade, quando me casei.
Com a mudança de estado, mudei também de profissão e passei da guerra à pena. Procurei estabelecer um novo modo de vida mais decente e conforme ao meu novo estado. Dediquei-me logo ao estudo dos livros morais e de devoção, em que ao passar do tempo encontrei todo meu consolo. Apeguei-me bastante à leitura da História e dos livros políticos e de estado. Ocupei diferentes cargos a serviço de meu Rei e participei de diversos tratados e de paz e guerra. Minha vida toda foi contínuo contraste de trabalhos, perigos e perseguições, e em seu transcurso aprendi a sofrer e a não ter ambição; assim (e pela graça de Deus) alcancei inexplicável tranquilidade de espírito, que é a maior felicidade desta vida perecível. Depois de 32 anos de matrimônio e 38 de serviços constantes, não tenho mais riquezas do que o necessário para sustentar modestamente minha família, e sinto-me mais contente nesta situação, do que infinitos que acumularam grandes posses e nunca são ditosos, por ambicionarem sempre mais.
Tive ao todo dez filhos dos quais ainda vivem hoje dois varões e três mulheres. A educação das filhas correu por conta da mãe, que as instruiu com seu bom exemplo, mais do que com palavras. Aos varões procurei fazer que tivessem a melhor instrução possível; em vão, porém, labutam os pais quando Deus não concorre com sua graça divina. Aos 65 anos de idade vi e experimentei suficientemente os erros, desacertos e enganos do mundo para não ter deles a menor desilusão, porquanto é mui louco quem não se corrige vendo os exemplos alheios.
Ao começar a entregar-me ao estudo moral, parecia-me que uma luz sobrenatural me ia iluminando (para confusão minha) no conhecimento de mim mesmo, e achei-me como que absorto, descobrindo tão de repente minha profunda ignorância e minha vã e doida presunção. Reconheci logo em mim tantas fraquezas e erros, que me envergonhei de ter vivido tantos anos com olhar de lince para os pequenos defeitos alheios, sem ter aberto os olhos para enxergar minhas próprias culpas e enormes pecados, de que peço perdão a sua Divina Majestade, de coração pleno.
Esta é minha vida, esta minha confissão pública e meu retrato natural e verdadeiro.
Theatro Moral de la Vida Humana en cien Emblemas
Esta obra reproduce cien grabados (emblemas) de Otto Venio (1556-1629 - también conocido como Otto van Veen, Otto Venius), un artista holandés que los inspiró en los versos de Horacio, buscando retratar aspectos de la vida humana. (Publicado por primera vez en 1607). Cada emblema está acompañado de inspiradores versos latinos, su traducción al español y también en este idioma, un breve texto explicativo del grabado.
Antoní Palau y Dulcet, en su obra bibliográfica indispensable y vasta, Manual del Librero Hispanoamericano, al registrar este trabajo, escribe que el Proemio es una de las páginas más deliciosas escritas en idioma castellano, que constituye una autobiografía anónima. ¿Cómo se llamará su autor? - pregunta ¿Será un gran alfabetizado? Y hace un llamamiento: "Nos dirigimos a investigadores y académicos para ilustrarnos sobre este personaje peregrino".
No sabemos si la apelación de Palau, realizada en la primera mitad del siglo pasado, se ha desarrollado. Lo que hicimos fue leer con buen gusto el elogiado Proemio, y aunque no hablamos el idioma de Cervantes, probamos el delicioso sabor y las virtudes de la escritura fluida e impecable del autor anónimo. Tal fue la satisfacción de leer que no pudimos resistir el impulso de compartirlo, al menos en parte, con los lectores de este espacio. Extrajimos pasajes del mencionado Proemio, que se leen a continuación en traducción y en el original castellano, preservando incluso la ortografía de la época.
Proemio
El Impressor deste libro, haviendo adquirido (no à poca costa) las láminas originales que Otto Venio (pintor famoso destos Estados de Flandes) inventó y sacó à luz en otro tiempo [...] y teniendo noticia de la inclinación que siempre he mostrado al estudio de la Doctrina Moral, y visto algunos papeles mios, me pedió encarecidamente para esta impressión, que acompañasse sus Emblemas con algunos discursos , en forma de explicación. Y no he podido negar este pequeño trabaxo à tan justo ruego. [...]
Los ingeniosos (que en los libros miran mas à las flores de la eloquencia que à la profundidad de la doctrina) claro está que despreciarán la llaneza de estilo deste. Pero los sabios attenderán solamente à la substancia encubierta debaxo de una vil y tosca corteza. A los unos y los otros advierto que lo escribí, no para enseñar, sino para aprender exercitandome; atendendo menos al gusto ageno que al provecho proprio; y no cuydando tanto
del applauso como de la utilidad. [...]
El que llegáre à cononerse, conozerá en si todas las cosas creadas, pues es el hombre un pequeño mundo: pero el que se ignora, se puede dezir dél que es necio en todo, pues nada puede saber quien ignora su proprio ser. [...]
Entre todos los animales solo el hombre es racional; pero el peccado y los apetitos desordenados obscurezen el uso de la razón: y los que debieran vivir como ángeles (de quienes no diffieren en la parte superior) obedeciendo à la inferior, viven peor que los brutos. Porque estos (que obran por instincto) siguen y guardan puntualmente la Ley de naturaleza; pero aquellos (que presumen y se alaban de obrar por razón) no solamente quebrantan todas las leys divinas y humanas, sino que también se atreven à perder el respeto y obediencia debida à su mesmo Creador mediante el peccado. [...]
Mas para que todo lo dicho se entienda mejor, y no seguir mi discurso notando faltas agenas, confessaré ingenuamente las proprias en un breve resumen de mi vida. [...]
Passé mi primera infancia en casa de mis Padres en Madrid (Corte entonces del Rey Cathólico Filipo III) hasta la edad de once años. Mi docilidad natural, juntamente con la cuydadosa educación y buen exemplo de mis padres dió ocasión de concebir de mi mayores esperanzas de lo que con el tiempo mostró la experiencia. Y assi (despues de haver aprendido à leer, escribir, contar y tocar algunos instrumentos y cantar con ellos) trataron de ponerme al estudio de Gramática. Y para evitar la compañia de tanta viciosa y corrompida niñez, como acude à los estudios publicos de aquela Corte, me embiaron con un ayo al convictorio de Ocaña, tan célebre en toda España, por la instrucción de los Padres de la Compañia de Jesus, como por los hombres grandes y famosos que del han salido de todas naciones, calidades y professiones. En el tiempo que ali estuve, no solo aprendí lo que se enseña, sino también los exercicios de correr, saltar, luchar, tirar la barra y otros que ayudan notablemente à la agilidad y fuerzas corporales, muy convenientes à los hombres y à la salud, evitando la violencia. Mi temperamento era colérico, sanguineo, templado con alguna melancolia, que no me impedia el ser alegre, jugueton y sociable. Era yo pundonoroso, y altivo de pensamientos, y obedezia de mejor gana à la blandura que al rigor, ao aplauso que al castigo. Era mi memoria mas feliz que la de todos mis condiscípulos, con que, en espacio de tres años hize raya entre todos: y el de 1617 passé al Colegio de Oropessa à repetir y exercitarme en lo ya estudiado. Y entonces comenzé à notar que pierde tiempo en el estudio de Retórica y Poesia el que no nació orador y poeta.
El año seguiente (que era el décimo quarto de mi edad) fuy embiado à la Universidad de Alcalá de Henares à estudiar la Philosophia. Aqui se advertirá el daño de mi feliz memoria, que yo no vine à conozer sino muy tarde. Valióme mucho para las fórmulas y Lógica, en que ninguno de mis condiscípulos llegó à igualarme, y solía romper la cabeza à los más doctos: porque nunca me faltava materia para defender y probar qualquiera desatino; y si me proponian algun argumento (por bien fundado que fuesse) mi punctual modo de resumir, y my promptitud en responder, distinguiendo ó negando, les causava talvez confusión, y talvez les cegava de cólera, y a mi me parecia haver vencido.
Mi maestro (que conoció muy bien esta mi aniñada y memoriosa habilidad) se valió della para ganar applausos à costa de mi perdición. Propusome para sustentar las conclusiones deste curso, y para ello me dió (como dizen) más de 20 pliegos de papel, en que se comprehendian todas sus opiniones, las de los contrarios con todas las soluciones y respuestas. En menos de seis dias lo hize todo tan mio que salí al Theatro y representé mi papel casi sin ayuda de mi maestro que me presidia. Y mediante esta industria el ganó la reputación, y à mi me quedó por mi parte insuffrible y molesto desvanezimiento, que me hizo incapaz de las demás sciencias, porque nunca aprende nada quien presume saber mucho.
[...]
Acabados mis cursos, bolví muy ufano à mi casa donde estuve algunos meses repassando con mi ayo (que era hombre docto) lo que habia estudiado. Pero este (conoziendo yá que la confianza que yo tenia en la facilidad del arte de disputar me impedia el aprender lo que el me enseñava, y que la sobra de mi memoria causava la falta del entendimiento, queaun no estava maduro) aconsejó à mi padre me embiasse al Colegio del Escurial, à repetir la Philosophia como se hizo. Huviera sido de grandíssima utilidad este consejo, si entonces (que comenzava à discurrir y conocer las cosas) me huvieran puesto de novo al estudio. Pero la preocupación de mis primeros errores retardaran el progresso. No obstante en dos años que estuve alli, no dexé de mejorar en la Phísica y Mathaphísica, e aprendí de más à más algunos principios de Geometria, Grographia y otras partes de la Mathematica. Valiame para esto la continua entrada que tenia à todas horas en la insigne Libreria de aquel Real Convento. [...]
Bolví à mi casa y hize algunos viages con mi padre por differentes Reynos de España, y al principio del año de 1625 y vigésimo segundo de mi edad, fuí embiado à Salamanca à estudiar Canones y Leyes. Mi ayo no quiso yr comigo, y assí me dieron un criado de mas edad que yo y de muy buenas costumbres; pero la ocasión, el tiempo y las malas compañias lo corrompen todo. El primer curso (que fue de Instituta) se luzió muy bien, y los maestros se prometieron de mi grandes esperanzas, porque los memoriosos son harto proprios para este estudio. Considerando mis Padres el largo viage de yda y buelta cada verano, dieron orden de que quedasse allá a divertirme. Esto fue mi ruina porque en la primera vacancia me comencé à exercitar en el manejo de todas armas, y aprendi juntamente algunos principios de Astronomia y Medicina. Pero (como suelen hazer los inconstantes) me aplicava de buena gana y con fervor siempre à lo más nuevo; y variando assy hablava de todo sin saber nada bien.
[...] Como quiera que sea, passé con disgusto deste al tercer curso, en que aprovechémuy poco. Porque al principio del fuy desterrado del Parayso de la inocencia, por haver gustado del fruto del arbor vedado, de lo qual y de mi humor marcial resultó despues mi destierro de la Universidad, y la necessidad de alejarme de mis Padres y mi Patria. Anduve vagando algun tiempo, y siendo ya de edad de 26 años en el de 1629, passé al Estado de Milan, donde serví en el famoso Sitio de Cassal de Monferrato. Mi modo de vivir era libre y militar, y aunque con la mudanza de Patria mudé en algo de costumbres, nunca fue para mejorar. [...]
En este tiempo (que fue año de 1633) murió mi Padre y me faltó con él todo mi apoyo. Sentílo como se puede considerar, pero huve de ceder al destino inevitable y animarme à establezer mi fortuna sobre mis proprias obras. [...] En todo este tiempo y viages aprendí differentes lenguas (cosa muy facíl en la mocedad), algunas sciencias más curiosas que provechosas y muchos secretos de naturaleza y Medicina. [...]
Halleme muchas vezes en peligros manifiestos de mi vida, de que Dios fue servido librarme por su divina y secreta Providencia. No hago relación particular de mis sucessos por no ser esta mi historia sino mi confessión. [...]
Mis principales y capitales peccados (de que procedieron infinidad de vicios) fueron: una insolente presumpción de saber más que otros; una inclinación insaciable al juego y una vil y torpe sugeción al amor lascivo. Proseguí mi professión militar y este infame y libre modo de vivir hasta último de Abril de 1637, 34º año de mi edad, que me casé.
Con la mudanza de estado, mudé también de professión y passé de la guerra à la pluma. Comenzé à tratar de ordenarme un nuevo modo de vida más decente y conforme à mi nuevo estado. Apliquéme desde luego al estudio de los libros morales y de devoción, en que con el tiempo he hallado todo mi consuelo. Fuy muy dado à la lectura de la Historia y de los libros políticos y de estado. Ocupé differentes puestos en servicio de mi Rey y me hallé en diversos tratados de paz y guerra. Toda mi vida ha sido un continuo contraste de trabaxos, peligros y persecuciones, y en el curso della aprendí a suffrir y no dessear; con que (mediante la gracia de Dios) he llegado à una inesplicable tranquilidad de espiritu, que es la mayor felicidad desta vida perecedera. Despues de 32 años de Matrimonio y 38 de servicios continuos, no tengo mas riquezas que lo muy necessario para sustentar modestamente mi familia, y me hallo más contento en este estado, que infinitos que acumularon grandes possessiones y nunca son dichosos, por dessear siempre más.
He tenido en todo diez hijos, de los quales aún viven hoy dos varones y tres hembras. La crianza de las hijas há corrido por quenta de la madre, que las ha doctrinado con su buen exemplo, más que con palabras. A los varones he procurado hazer instruir lo mejor que me ha sido possible; pero en vano trabaxan los padres quando Dios no concurre con su divina gracia. En 65 años de edad he visto y experimentado bastantemente los errores, desaciertos y engaños del mundo para tener dellos un perfecto desengaño, pues es muy loco quién no escarmienta con los exemplos agenos.
Quando comenzava à darme à este Estudio Moral, me parezia que una luz sobrenatural me yva alumbrando (para confusión mia) en el conocimiento de mi mesmo; e quedé como absorto, descubriendo tan de repente mi profunda ignorancia y mi vana y loca presumpción. Reconozí luego en mi tantas flaquezas y errores, que me avergonzé de haver vivido tantos años, hecho lince de pequeños defectos agenos, sin haver abierto los ojos para mirar mis proprias culpas y enormes peccados, de que pido perdon à su Divina Magestad de todo mi corazón.
Esta es mi vida, esta mi pública confessión y mi natural y verdadero retrato.
Moral Theater of Human Life in one hundred Emblems
This work reproduces one hundred engravings (emblems) designed by Otto Venio (1556-1629 - also known as Otto van Veen, Otto Venius), the Dutch artist. Inspired by verses of Horace, he tried to portray aspects of human life. (They were first published in 1607). Each emblem is followed by inspiring Latin verses, their translations into Spanish and a short explanatory text of the engravings.
Antoní Palau y Dulcet in his indispensable and vast bibliographic work, the Hispanic-American Librarian Handbook, announced that the Preamble is one of the best written pages in Castilian language, an anonymous autobiography. What is the name of the author? – he asks. Is he a great literate? And says: “We have asked researchers and scholars to tell us about this pilgrim character. ”
We do not know if Palau's request, made during the first half of the last century, had any repercussion. What we did was read with joy the praised Preamble and, although not speaking Cervantes’ language, taste the virtue of the impeccable writing of the anonymous writer. We enjoyed the reading so much, that we did not resist the desire to share it, at least in part, with the readers. We extracted passages from the mentioned Preamble, translated below, also transcribed in the original Castilian language, preserving the original spelling.
Preamble
The publisher of this book purchased (not at a low price) the original engravings that Otto Venio (the famous Dutch painter) designed and created in previous times [...], and having heard of my permanent inclination to study Moral Doctrine and having read some of my writings, kindly asked me to include in this edition a few explanatory texts of the emblems. I could not refuse such fair request. [...]
Sophisticated people (who pay more attention to the flowers than to the depth of content) will certainly not appreciate the simplicity of this style. The wise, however, will pay attention to the material hidden under the rough shell. To all, I advise that I wrote not to teach, but to learn, by practicing; I am less concerned with everybody else’s appraisal than with my own gain, and I do not give as much importance to applauses, as I do to its utility. [...]
Those who come to know themselves will sense, within, all created things, for human beings are small worlds; however, those who don’t know themselves, everything about them is frivolous, as those who ignore their own selves are incapable of knowing anything else. [...]
Of all animals, only human beings are rational; but sin and disordered appetite mask the use of reason; and those who were to live as angels (of which their upper body does not differ), by subjecting to their lower body, they live worse than beasts, since these (who act by instinct) strictly follow and observe the law of nature; human beings, however (bragging and boasting to act according to reason), not only violate all divine and human laws, but also take the risk, by sinning, of losing the respect and the obedience owed to their own Creator. [...]
However, to better understand what I’ve said, and not continue my writing pointing out other people's faults, I will naively confess my own faults, by writing a brief summary of my life. [...]
I spent my childhood at my parents' house in Madrid (which was then the Court of the Catholic King, Philip III) until I was eleven years old. My natural innocence, along with the careful education and good example that I received from my parents, made them expect more from me than, over the time, experience revealed. So (after learning how to read, write, count and play a few instruments and sing to them) they decided to make me study grammar. To escape from the company of very nasty and spoiled kids, present in public schools of such Court, they sent me ,with a tutor, to Ocaña Internship, a very famous internship in Spain, run by the Fathers of the Society of Jesus, and famous for the great and prominent people of all nationalities, qualities, and professions, who were educated there. During the time I spent there, besides learning the subjects, I also learned to how to run, jump, fight, besides other things that greatly help develop agility and body strength, very convenient to men and health, as well as prevent violence. I had an angry and aggressive temper, also a little melancholic, but that did not prevent me from being cheerful, playful and sociable. I was an outstanding thinker, and I welcomed more gentleness than imposition, compliment than punishment. My memory was sharper than of all my fellow students, and within three years I exceeded them all: in 1617 I went to Oropesa College where I repeated and practiced what I had already studied. That's when I started to notice the time lost in studying Rhetoric and Poetry by those who were not born orators or poets.
The following year (when I was 14 years old), they sent me to the University of Alcalá de Henares to study philosophy. Then the damage caused by my good memory would be noticed, something that I would only realize afterwards. It was useful to me to learn formulas and logic, something that none of my colleagues managed to compete with me, and which used to rack the brain of the most well-educated; I always had material to defend and prove any sort of challenge; if anybody presented me an argument (as well founded as it may had been) my sharpness to summarize and quickness to respond, either to consider or to deny the arguments, confused them or blinded them with rage, giving me the feeling of having won.
My professor (who knew very well my ability to learn by heart) used it to gain applauses at the expense of my destruction. He offered me to defend the end of the course thesis, so he gave me more than twenty pages that comprised his viewpoints, his opponents’ and all the solutions and answers. In less than six days I knew them all by heart so I went to the Theater and I played my role almost without the help of my Professor. With that, he earned all the reputation and I slowly faded away, totally disabling me for the other disciplines, as those who think they know too much, will not learn anything. [...]
After I finished my courses, I went back home euphoric. I stayed a few months revising what I had studied with my tutor (a well-educated man). He, however (knowing that my confidence in the art of argumentation prevented me from learning what he was teaching me, and that my big memory prevented me from understanding what was still immature), advised my father to send me to the Escurial College to learn again philosophy. So he did. Such advise would had been very useful (when I was beginning to reflect and learn about things), if they had sent me back to study. But the concern with my previous mistakes slowed down the progress; however, during the two years that I spent there, I improved my studies in physics and metaphysics, learned some geometry, geography and more mathematics. I used to go frequently to the outstanding library of that Royal Convent. [...]
I went back home and travelled with my father to many Kingdoms throughout Spain and, at the beginning of 1625, when I was twenty two years of age, I was sent off to Salamanca to study Canons and Law. My servant did not want to come with me, so they offered me an older and well-mannered servant; time and bad company, however, corrupted everything.
The first course was very promising and teachers had good hope for me, since those who memorize easily are better suited for this kind of study. Given the long trips to go and return from home each summer, my parents authorized me to stay and enjoy there. That was my downfall, because during my first holidays I learned to use all sorts of weapons and also learned a few concepts of astronomy and medicine. But (as inconstant people often do), with new things I worked hard and with joy, but I was dispersed and talked about everything, but I really didn’t know anything well. [...]. Anyway, I passed, disappointed, to the third course, from which I made very little use of, because at the very beginning I was banished from the paradise of innocence, as I liked the fruit of the forbidden tree. Due to it and to my belligerent temperament, I was asked to leave University and had to leave my parents and my homeland. I wandered around for a while, and in 1629, at the age of 26, I moved to Milan where I served for the famous Cassal de Monferrato Ranch. I had a free and military way of life and although I changed my habits when I changed country, it was never for the better. [...]
At that time (1633) my father passed away, so I was left without support. As one can imagine I was upset but I had to accept the inevitable fate and encourage myself to pursuit my own income [...]
During all that time and travelling I learned several languages (easy when one is young), a few other disciplines that were more curious than useful, as well as many secrets of nature and medicine. [...]
Many times I saw my life in real danger, but then God decided to help me out, out of His divine and secret Providence. I will not describe here my successes, as this is not about my story, but about my confession. [...]
My main and capital sins (from which derived a bunch of vices) were: insolent presumption of knowing more than others; insatiable inclination to gamble, as well as a vile and dreadful subjection to lascivious love. I continued on the military activity and on this infamous and free way of life until the end of April 1637, my 34th. year of age, when I got married.
When I changed my marital state, I also changed my profession, and changed from war to sorrow. I tried to establish a new and more decent way of life, in accordance to my new marital state. I soon started to dedicate myself to study books of moral and devotion, whereabout I found, over the time, my comfort. I enjoyed reading books of history and politics. I held different positions serving my King and participated of several peace and war treaties. My life was filled with continuous contrasts of jobs, dangers and persecutions, and during its course I learned to suffer and to have no ambitions; thus (and by the grace of God) I attained an inexplicable tranquility of spirit, which is the greatest happiness of this perishable life. After 32 years of marriage and 38 years of constant service, I have just enough to humbly provide for
my family, and I am happier than so many people who own a large amount of assets and are never happy because they always crave for more.
I had ten children but only two boys and three girls are still alive today. The girls‘ upbringing was due to their mother, who educated them with her good example, rather than with words. As for the boys, I tried to make sure that they had the best possible education; parents strive in vain, however, if God does not concur with His divine grace. At the age of 65, I sufficiently saw and experienced the mistakes, faults and inaccuracies of the world, so I wouldn’t have any disappointments. Those who do not correct themselves with the examples of others, are very foolish.
When I started to surrender myself to moral studies, I felt a supernatural light enlighten me (to my confusion) self-discovery. I became astonished by suddenly unveiling my deep ignorance and my vain and mad arrogance. I soon recognized within me so many weaknesses and mistakes, that I became ashamed to have lived so many years looking at others’ little faults rather than focusing on my own faults and sins. Open hearted, I ask the Divine Majesty to be forgiven.
This is my life, my public confession and my natural and true portrait.
*Translated by Mônica H. Reppucci.
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